O que podemos aprender sobre plataformas a partir da guerra entre Netscape e Internet Explorer na década de 90

Para buscar uma compreensão mais profunda sobre plataformas, vamos voltar à disputa dos navegadores Netscape e Internet Explorer (IE) na década de 90…

O Netscape foi o meu primeiro navegador Web, que eu usava para acessar a internet em 1993 quando entrei na universidade. Me lembro que o Netscape 2 tinha umas funcionalidades que hoje não fazem o menor sentido. Por exemplo, habilitar carregamento de imagens nas páginas Web. Sim, ele não carregava as imagens das páginas por default. Você podia habilitar o carregamento automático no acesso às páginas, se tivesse em uma conexão mais rápida. A conexão era discada na época e eu tinha a seguinte frase na minha assinatura de email: “A vida começa aos 14400!” O antigo acesso discadoera um inferno! kkk

Quando a Microsoft incluiu o IE no Windows todo mundo começou a utiliza-lo, apesar dele ser inferior ao Netscape. Mas, porque será que isso aconteceu? O que levou os usuários e os desenvolvedores a utilizarem o IE?

Para começar a entender, vejamos a definição de plataforma do criador do Netscape, Marc Andreessen:

Uma plataforma é um sistema que pode ser desenvolvido e personalizado pelos desenvolvedores externos – usuários – e dessa forma, adaptado a inúmeras necessidades e nichos que os desenvolvedores originais da plataforma não teriam nem como imaginar, muito menos ter tempo para atender.

Isso quer dizer que uma plataforma permite inúmeras possibilidades e inovações, e que toda a comunidade participe como protagonista da evolução dela, não apenas as pessoas de dentro da empresa.

Dito isso, o foco da Microsoft na sua plataforma Windows, foi o que impulsionou o IE e desbancou a liderança da Netscape. Mas, se você compara o IE com o Netscape no contexto da época, com o foco apenas nos navegadores como um produto e não dentro da plataforma Windows, a derrocada da Netscape não faz o menor sentido. Na época, em termos de negócio a Netscape era líder, e em termos técnicos, quanto à compatibilidade com os padrões W3C, desempenho e inovação, o navegador Netscape era superior. A incorporação do Javascript no navegador veio primeiro no Netscape, só para dar um exemplo. Portanto o motivo que tirou a liderança de 90% do market share do Netscape foi o que chamamos hoje de Efeito de Rede das plataformas. Acredito que os principais fatores para o efeito de rede que alavancou o IE foram:

  1. Disponibilidade ampla e free do IE no Windows, o IE já estava disponível no Windows 95, se fundiu ao SO e vinha free no Windows 98. Para o usuário acessar a Web era perfeito. Não precisava baixar nem configurar nada. No desenvolvimento ele foi integrado com as ferramentas da Microsoft. Para usar o Netscape você tinha de baixar, instalar e tentar configurar as ferramentas de algum jeito.
  2. Compatibilidade ampla do IE com a plataforma Windows, na época muitos sites começaram a ter versões que só abriam no IE, o que forçava os usuários a instala-lo, mesmo sendo usuários cativos do Netscape como eu, não tinha como fugir dele em alguns sites.

Esses fatores geraram o efeito de rede necessário para todo mundo passar a usar o IE em um espaço de tempo relativamente curto, impulsionando o IE e toda a plataforma Windows da Microsoft.

Vamos dar uma olhada na linha do tempo entre 1990 e 2007. Eu deixei de fora a batalha jurídica de propósito, pois a ação que acusava a Microsoft de monopólio pela incorporação do IA ao Windows, não impediu o avanço da plataforma Windows. Vamos lá!

O Netscape era o navegador líder entre os usuários desde meados de 1990 e em 1994 foi lançado o Netscape 2. Ele era rápido, fácil de usar e tinha recursos que outros navegadores da época não tinham. Mas o alarme soou na Microsoft em 1993. Ela também estava de olho nesse mercado, e lançou o Internet Explorer junto com o Windows 95. A partir daí, a competição começou a esquentar.

Em 1996, a Netscape lançou o Netscape 3, que foi um grande sucesso. Mas a Microsoft não ficou parada, e lançou o Internet Explorer 3.0 logo em seguida. A partir daí, a Microsoft começou a ganhar terreno, e em pouco tempo o Internet Explorer se tornou o navegador mais usado do mundo.

Em 1997, é lançado o Netscape 4, que tinha muitos recursos novos. Mas a Microsoft lançou o IE4 logo em seguida no próximo ano. Ele tinha ainda mais recursos do que o Netscape. Além disso, a Microsoft fundiu o IE com o Windows, o que fez com que muitos usuários nem precisassem baixar o navegador separadamente e era impossível desinstalá-lo.

Em 1998, a Netscape lança o Netscape 4.5 e disponibiliza o código fonte onpen-source como projeto Mozzila, mas o IE4 chega dominando o mercado, e a Netscape perde usuários a cada dia.

Em 1999 a AOL concretiza a compra da Netscape, mas não consegue salvar o navegador.

Em 2002, é lançado o Netscape 7, mas já era tarde demais. O IE já tinha se tornado o navegador padrão da maioria dos usuários, e a Netscape acabou se tornando um navegador de nicho da mesma forma que o Firefox, sua versão open-source.

Em 2007, a AOL descontinuou o Netscape de vez, encerrando uma era na história da internet.

Resumo da linha do tempo:

  • 1990: Netscape líder com 90% do market share.
  • 1993: Alarme soou na Microsoft.
  • 1995: Netscape 2 é lançado. IE surge no Windows 95. Microsoft sofre ação acusada de monopólio.
  • 1996: IE 3 é lançado com melhorias. Microsoft começa a ganhar terreno.
  • 1997: Netscape 4 é lançado com melhorias.
  • 1998: Netscape 4.5 é lançado. IE 4 se funde ao SO Windows 98, se tornando integrado, facilitando o acesso para os usuários e às ferramentas de desenvolvimento para desenvolvedores. Ele era free e impossível de desistalar. Código do Netscape é disponibilizado open-sorce como Mozzila e o navegador Firefox é disponibilizado free para download.
  • 1999: A Marca Netscape é comprada pela AOL.
  • 2002: Netscape 7 é lançado. IE é considerado líder.
  • 2007: Netscape descontinuado, AOL anuncia que não haverá novas versões do Netscape.

Para finalizar, resgatando a definição de plataforma do criador do Netscape, o poder das plataformas fica claro nessa guerra dos navegadores. Marc Andreessen sentiu na pele o efeito de rede, pois o fato do Netscape ser um produto de qualidade superiror não foi suficiente para garantir uma vantagem competitiva. O Netscape se tornou coadjuvante pelo impacto que a Microsoft gerou, com a sua estratégia focada na plataforma Windows, em todo o ecossitema na época. É por isso que devemos dar atenção especial às plataformas quando pensamos em estratégias de transformação digital das organizações.

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